Prática
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Por que as empresas apoiam a cultura?

 (2013, primeiro semestre)


Eliane Oliveira


Resumo:

Atualmente o financiamento da cultura no Brasil apoia-se, em grande parte, na renúncia fiscal. Entrevistas realizadas pela autora no período de maio a setembro de 2010 com profissionais de marketing de seis empresas sediadas, no Rio de Janeiro e em São Paulo, confirmaram que o marketing cultural vem mostrando-se, cada vez mais, uma ferramenta eficaz na comunicação das empresas. A avaliação do retorno do investimento das verbas utilizadas nessa ferramenta de comunicação empresarial é pouco praticada. Tal fato restringe o uso de verbas próprias, o que seria mais indicado, levando-se em consideração o caráter provisório que toda lei de incentivo fiscal necessariamente tem.

Palavras-chave:

marketing cultural, patrocínio, incentivos fiscais à cultura, mecenato, captação de recursos

A concorrência cada vez mais acirrada no mundo dos negócios tem feito com que as empresas busquem caminhos diversificados para atingir os seus públicos-alvo, tanto para conquistar novos consumidores, como para manter os já existentes.

Uma das alternativas em que o mundo empresarial tem investido é o patrocínio a projetos culturais, incluindo o marketing cultural em seu composto de marketing.

Um fator que estimulou a prática do marketing cultural foi a criação de uma lei de incentivo fiscal em 1986 (Lei Sarney), pela qual o Governo Federal concedia isenção fiscal, total ou parcial, para as empresas que destinarem verbas ao patrocínio de projetos culturais. Por isso, muitas vezes, os termos “marketing cultural” e “incentivo fiscal à cultura” são usados associados, erradamente compreendidos como uma simbiose necessária.

Marketing cultural VERSUS incentivo fiscal à cultura

O governo e as empresas privadas possuem motivações diferentes ao transferir recursos para o setor cultural. O envolvimento da empresa com essa área está baseado em fins comerciais.

Ao patrocinar produtos ou eventos culturais a empresa busca atingir determinado público e ser reconhecida por isso. Já o governo - em suas diferentes esferas -, ao conceder o incentivo fiscal tem como meta preservar e desenvolver iniciativas culturais de uma dada comunidade, sem direcionamento comercial, além de colocá-la ao alcance da maior parcela possível da população.

As leis de incentivo fiscal à cultura significam, na prática, que o governo financia projetos culturais selecionados pelas empresas, total ou parcialmente, de forma indireta, já que são custeados por meio de verbas deduzidas de impostos que seriam pagos por pessoas físicas ou jurídicas ao governo. Daí, aliás, parte a crítica que se faz à política cultural do país, uma vez que a maioria das produções que chega ao público foi selecionada pelas empresas e não pelos órgãos responsáveis pela proteção, promoção e distribuição da cultura do país.

Podemos perceber, na tabela a seguir, que grande parte dos recursos destinados à cultura, no Brasil, tem origem na renúncia fiscal das empresas, concedida pelas leis de incentivo.

Relação das 15 Maiores Empresas Investidoras em Cultura com Utilização de Leis Federais de Incentivo em 2009

Colocação/Nome da Empresa/Valor Investido (R$)

1°.
Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras
129.540.960,00

2°.
Companhia Vale do Rio Doce S/A
45.281.041,00

3°.
Banco do Brasil S/A
35.483.146,00

4°.
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
31.676.306,00

5°.
Centrais Elétricas Brasileiras S/A
31.119.495,00

6°.
Banco Itaú Unibanco S/A
22.400.008,00

7°.
Bradesco Vida e Previdência S/A
15.582.916,00

8°.
Fiat Automóveis S/A
13.499.026,00

9°.
Telecomunicações São Paulo S/A
11.855.098,00

10°.
Petrobras Distribuidora S/A
11.042.430,00

11°.
Cemig - Geração e Transmissão S/A
10.990.927,00

12°.
Banco Itaú BBA S/A (antigo Banco do Estado de Minas Gerais - BEMGE)
10.257.959,00

13°.
Santander (Brasil) S/A
9.999.909,00

14°.
Columbus Holdings S/A (Participação Societária)
9.587.472,00

15°.
Itaú Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros
8.853.907,00

Total:

347.170.600,00

Fonte: Revista Marketing Cultural Online

Marketing cultural na comunicação da empresa

As leis de incentivo à cultura contribuíram para a aproximação de duas áreas, aparentemente opostas - cultura e marketing empresarial -, trazendo benefícios para os dois segmentos: de um lado a empresa, incluindo o patrocínio a projetos culturais no seu composto de marketing (mais uma opção para se aproximar de seus públicos); do outro, a cultura e seus agentes, que contam com um aporte maior de verbas para a realização de seus projetos.

Uma das provas do sucesso dessa aproximação pode ser percebida quando as empresas investem em cultura, independente de leis de incentivo, pondo em prática um processo de marketing (cultural) propriamente dito.

A pesquisa de campo realizada pela autora, no período de maio a setembro de 2010, entrevistando executivos das empresas Petrobras, Caixa Econômica Federal, Ampla, Banco Prosper, Light e BrasilPrev comprova o patrocínio a projetos culturais (independente de incentivo fiscal em todas elas), mas a maior parte do patrocínio ainda se dá com verbas incentivadas, com exceção da Caixa Econômica Federal, que fez questão de deixar clara a utilização das leis de incentivos fiscais em apenas um dos seus quatro editais públicos; tendo empregado, nos outros três, verbas próprias. A empresa Ampla procurou manter um equilíbrio no investimento: 60% de verbas incentivadas e 40% de verbas próprias empregadas nos projetos que patrocina.

Todas as empresas participantes do levantamento confirmaram a eficiência do marketing cultural como ferramenta de comunicação institucional das empresas.

A Petrobras, por exemplo, embora na década de 1990, ainda não contasse com uma política estruturada de patrocínios, entrou pesadamente nessa atividade, a partir de 2000, com a contratação de um profissional especializado na área, no caso, o consultor Yacoff Sarkovas. Tal atitude é uma prova da validação dessa ferramenta, o patrocínio à cultura, no âmbito da comunicação da empresa.

A Caixa Econômica Federal, ao optar investir em patrocínio a atividades culturais (com verbas de propaganda), também ratifica a importância da área cultural atribuída pela empresa.

As duas concessionárias de energia do Rio de Janeiro; a Light e a Ampla, reconheceram o apoio à cultura como mais uma forma de conseguir um bom relacionamento com as populações de seu interesse. Ambas as empresas também usam a cultura para transmitir mensagens e reforçar valores, de uma maneira lúdica, usando o teatro, o cinema ou outras atividades culturais para facilitar a transmissão de mensagens que a empresa deseja passar ao público de seu interesse.

O patrocínio está inserido em uma estratégia de comunicação de empresa e, como tal, pressupõe um retorno de investimento, como acontece com qualquer outra ferramenta de comunicação. A Association for Business Sponsorship of the Arts (ABSA) do Reino Unido publica: “… quando se propõe um patrocínio a uma empresa, não se está pedindo dinheiro, mas vendendo algo que trará um retorno comercial para a empresa”.

Avaliação do retorno do investimento em marketing cultural

Ainda que seja comum às empresas avaliarem o retorno do investimento que realizam, esta prática não é percebida quando se trata de verbas destinadas à área de comunicação e isso se estende às iniciativas de patrocínio, o que, muitas vezes, resulta em corte de verbas para a área.

Embora os investimentos em marketing cultural sejam crescentes, não se observa uma avaliação do retorno do investimento em marketing cultural de uma maneira mais consistente.

Poder comprovar o retorno que o marketing cultural traz ajudaria aos profissionais de marketing usar, com mais segurança, essa ferramenta para a comunicação da empresa, ficando mais independente das leis de incentivo, que, como todo incentivo fiscal, é algo transitório.

O desenvolvimento de mecanismos para a prestação de contas e avaliação do retorno sobre os investimentos na área diminuiria as incertezas das empresas quanto às consequências dos gastos como parte da comunicação do marketing.

A cada ano os profissionais desta área se deparam com a sofrida tarefa de informar, à controladoria da empresa, a previsão de gastos a serem incluídos no orçamento e, muitas vezes, com severas recomendações de cortes, sem, muitas vezes, conseguirem mostrar de que maneira contribuem para o lucro ou para a valorização da marca da empresa.

Na relação a seguir, é mostrado o resultado da pesquisa com as empresas, acima mencionadas, referente à prática da avaliação do investimento em marketing cultural:

Quadro-síntese da Avaliação do Investimento em Marketing Cultural Realizada por Seis Empresas (Levantamento Realizado no Período de Maio a setembro de 2010)

Nome da Empresa/Forma de Avaliação do Investimento em Marketing Cultural

LIGHT

Análise de mídia espontânea, trazida pelos eventos patrocinados pela empresa e pesquisas informais junto ao público.

AMPLA

Deixa a avaliação dos projetos que patrocina a cargo da própria produtora que realiza seus projetos.

PETROBRAS

A empresa trabalha com um programa desenvolvido para mensuração de retorno de patrocínio e que ainda é um projeto piloto.

BRASILPREV

Dependendo do evento, a empresa faz mensuração em termos de geração de negócio, mas não é uma prática ainda plenamente estruturada.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

A empresa afirma que não há a preocupação em atingir uma meta, apenas faz um controle dos projetos patrocinados, controlando a quantidade de público, o valor investido, o valor de retorno de mídia etc.

BANCO PROSPER

Não foi fornecida a informação a respeito da realização de algum tipo de avaliação.

Considerações finais

Pelo que podemos observar, nenhuma das empresas levantadas possui um método estruturado de avaliação do investimento que fazem em cultura, seja com verba própria, seja com verba incentivada.

O interessante nas respostas é que, ainda que não haja avaliação formal, praticamente todas elas admitem haver um retorno desses investimentos. No caso da Light, o profissional entrevistado afirmou que a empresa realiza avaliação do retorno dos investimentos em cultura, por meio da análise de mídia espontânea trazidas pelos eventos patrocinados e reiterou que, “quando bem trabalhados os projetos, a mídia espontânea equivale a quatro vezes o valor do patrocínio”. Isso é muito bom para qualquer tipo de investimento, mas será que apenas a análise da mídia espontânea trazida pelo evento é suficiente para se chegar a essa conclusão? Empresas patrocinadoras por excelência, como a Petrobras, só agora iniciam um projeto piloto com um sistema de mensuração, mas que ainda está no início.

A falta de métricas para avaliação de retorno para as atividades de comunicação em geral acaba por limitar investimentos, o que restringe essa ferramenta. Será que as empresas continuariam investindo em cultura sem as leis de incentivo?

Referências

ASSOCIATION FOR BUSINESS SPONSORSHIP OF THE ARTS. “ABSA Sponsorship Manual”. Londres, abr.1997, 35 p.

CALABRE, Lia. Políticas Culturais: questões do tempo presente. In CALABRE, Lia; FRADE, Cáscia [et al.] (orgs.). Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro: 2007-2008. Rio de Janeiro: UERJ/Decult, 2009.

CORRÊA, Marcos Barreto. Do Marketing ao Desenvolvimento Cultural: relacionamento entre empresa e cultural, reflexões e experiências. Belo Horizonte:[s.n.], 2004.

BETTS, Susan Jenny. Avaliação de Retorno de Investimento em Marketing Cultural: um estudo exploratório com cinco empresas em São Paulo e no Rio de Janeiro. 2003. 127 f. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Escola de Administração de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2003.

FISCHER, Fernando. Marketing Cultural: uso e prática em empresas brasileiras. 1998. 234 f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Administração de Empresas) – COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1998.

MACHADO NETO, Manoel Marcondes. Relações Públicas e Marketing: convergência entre comunicação e administração. Rio de Janeiro: Conceito Editorial, 2008.

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REIS, Ana Carla Fonseca. Marketing Cultural e Financiamento da Cultura: teoria e prática em um estudo internacional comparado. São Paulo: Thompson Learning Edições, 2006.

______. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável: o caleidoscópio da cultura. Barueri, SP: Manole, 2007.

YANAZE, M. H. et al. Gestão de marketing e comunicação: Avanços e aplicações. São Paulo: Saraiva, 2007.



Eliane Oliveira
Especialista em Pesquisa de Mercado e Opinião Pública pela Faculdade de Comunicação Social/UERJ. Graduada em Contabilidade pela Faculdade Moraes Júnior. Trabalha na Coordenadoria de Pesquisa de Demandas Sociais - PRODEMAN/NIESC/UERJ. Contato: eandradeoliveira@gmail.com

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