Teoria
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Marketing cultural: uma invenção brasileira

 (2004, primeiro semestre)


Manoel Marcondes Machado Neto


“O artista é a antena da raça”. Ezra Pound.

“Nossa classe cabe dentro de uma van”. Ney Latorraca.

“Não me peça dada a única coisa que tenho para vender”. Cacilda Becker.

“Se o Brasil quer fazer parte do primeiro mundo, a porta de entrada é a da cultura”. Cacá Rosset.


Cultural marketing ?

O termo marketing cultural só existe no Brasil. No idioma inglês – donde emprestamos marketing – o termo não faz sentido e em outros países de língua portuguesa idem. A criatividade brasileira e a imprensa têm responsabilidade nessa história que ganhou maior repercussão em 1986, com a criação da lei federal de número 7505, a chamada Lei Sarney.

Naquela ocasião, com a concessão de incentivos fiscais (desconto no Imposto de Renda devido) a quem apoiasse iniciativas artístico-culturais, iniciou-se um boom de patrocínios e a consequente consagração do termo aliado à idéia de incentivos fiscais (e atualmente não só no âmbito do IR, mas também do ICMS, no nível estadual, e do ISS e IPTU, no nível municipal).

Na verdade, marketing cultural nada tem a ver com incentivos fiscais. Esse tipo de mecanismo de incentivo sempre tem vida curta; já o apoio financeiro de pessoas físicas e jurídicas a projetos culturais, não. Há governos e organizações privadas com verdadeiras políticas de apoio à arte e à sua disseminação. Quando essas políticas estão fundamentadas em uma filosofia genuína de inserção da iniciativa/produção artístico-cultural no mercado, ou seja, em uma filosofia de marketing, tem-se o marketing cultural.

É difícil ser artista no Brasil.

Até hoje é comum no meio artístico e de produção cultural a “dupla jornada”. Não são raros músicos de sinfônica bancários e cenógrafos cabeleireiros. É preciso ganhar a vida para manter o sonho.

A questão que se debate agora não é nova. A destinação de recursos públicos para produções que caberiam melhor no capítulo empreendedorismo de show business é questionável. Como explicar que uma árvore de Natal montada anualmente na Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro (e mais toda a verba que a alardeia na mídia) e um evento como Coca-Cola Vibezone contem com recursos de incentivo fiscal à cultura ?

Essa responsabilidade pública que se torna cada vez mais uma atividade privada foi, aliás, o estopim da crise (de maio de 2003), no rosário de crises sucessivas que acompanha as coisas da cultura há décadas, que colocou, de um lado o “czar” da comunicação federal, Luiz Gushiken e de outro, todo mundo. Ou será que só alguns ? Bastou o cineasta Cacá Diegues falar de “nós, produtores culturais”, para que uma porção de gente boa o argüísse com a gaiata pergunta: “nós quem, cara pálida ?”.

Perdemo-nos em questões menores. O que realmente está em jogo ?

Pergunto: o povão sabe que necessita do insumo cultural tanto quanto do alimento para atingir a cidadania ? Sabe o que o enriquece em termos de experiência humana ? Sabe distinguir o que é apenas circo ? Sabe que teatro mais se faz com um grupo como o Tapa que com “celebridades” da televisão ? Para que soubesse talvez nunca a cultura, institucionalmente, devesse ter sido separada da educação (aliás, a teimosa sigla MEC nos obriga a refletir sobre isso).

Mais uma pergunta: sabemos nós, mesmo estudiosos e intelectuais, a diferença entre show business e produção cultural digna e/ou necessitada de incentivos ? Será fácil distinguir as iniciativas do Opinião das da Cia. Interamericana de Entretenimiento ?

Se à Academia é dada a missão de analisar as novas práticas adotadas pelo mercado, como é o caso do marketing cultural, permita-se ao acima assinado sugerir, com base em pesquisa científica, propor uma incidência diferenciada de recursos públicos via incentivo fiscal, de acordo com o fato e o locus gerador das iniciativas.

O conceito de marketing cultural.

Como parte das conclusões a que cheguei ao final das pesquisas que corroboraram a confirmação das hipóteses formuladas na tese de doutoramento, propus uma conceituação que desse conta das diversas atividades a que o mercado e o senso comum atribuíam o entendimento do que seria marketing cultural: atividade deliberada de viabilização financeira de produtos e serviços que, comercializados ou franqueados, venham atender às demandas de fruição e enriquecimento cultural da sociedade.

Também propus uma classificação do marketing cultural em modalidades que, a partir do seu fato/locus gerador, pudesse diferenciar iniciativas tão diferentes sob um mesmo rótulo.

As modalidades de marketing cultural.

As quatro modalidades propostas na tese apresentada à USP em abril de 2000 sob o título “Marketing Cultural: características, modalidades e seu uso como política de comunicação institucional”, dão-se de acordo com o locus/fato gerador de cada iniciativa. Assim, tem-se:

Marketing cultural de fim: aquele realizado por instituições cujo objetivo é a promoção cultural. Ao lado de especialidades como o marketing farmacêutico ou o marketing automobilístico, o marketing cultural de fim abrange todo o composto de marketing, da concepção do produto até a comunicação acerca do mesmo, passando por atribuição de preço e distribuição. Realizam este tipo de marketing cultural instituições como Funarte, OSESP, Palácio das Artes e Rioarte, por exemplo.

Marketing cultural de agente: também abarcando todo o composto de marketing, esta modalidade talvez seja a mais legítima aplicação do termo marketing, pois dá-se o tratamento mercadológico à iniciativa artístico-cultural já na sua concepção. O produtor cultural atua com risco, exatamente como acontece com outras atividades empresariais. Dell’Arte, Antares e Dançar Marketing realizam este tipo de marketing cultural.

Marketing cultural de meio: o tipo de atividade que estamos acostumados a ver retratada como marketing cultural na grande mídia. É o apoio a iniciativas artístico-culturais dado por empresas que não têm como fim a promoção cultural mas sim a produção de bens industriais, prestação de serviços, comércio etc. Usa-se o patrocínio como um meio de promoção institucional. Grandes organizações realizam este tipo de marketing cultural. São exemplos desse tipo de iniciativa: Pão Music, Heineken Concerts, O Globo em Movimento.

Marketing cultural misto: a modalidade com, ainda, maior potencial de crescimento e uma das que mais vêm sendo realizadas. Dá-se, por exemplo, quando uma empresa patrocina um evento cultural em um espaço que pertença a uma outra organização, a qual o co-assina. O desafio reside em conseguir obter visibilidade de uma marca ou de outra, ou de ambas, sem descaracterizar os objetivos da ação para cada uma. Cada vez mais vem ocorrendo esse tipo de iniciativa pela imposição de parcerias que a escassez de recursos traz a cada ano que passa. Realizam este tipo de marketing cultural o Centro Cultural Banco do Brasil, Credicard Hall, Claro Hall, por exemplo.

Que propostas baseadas nessas modalidades podem ser feitas quanto à concessão de incentivos fiscais ?

- Quanto à modalidade (ou fato/locus gerador).

Conceder-se percentuais de renúncia fiscal diferenciados de acordo com o fato/locus gerador de cada iniciativa. Assim, para iniciativas de Marketing Cultural de Fim, seriam concedidos 100% de renúncia; para Marketing Cultural de Agente, também 100% de renúncia (iniciativas não caracterizáveis como show business). Para Marketing Cultural de Meio, obviamente, nenhuma renúncia e, finalmente, para iniciativas classificadas como Marketing Cultural Misto, 50 % de renúncia fiscal.

- Quanto à distribuição geográfica.

Se a renúncia é do Imposto de Renda, o projeto teria que ter âmbito nacional. Se do ICMS, o projeto teria que ter abrangência pelo menos estadual. Se ISS ou IPTU, o alcance seria, obrigatoriamente, municipal. Não deveria ser permitido que a renúncia a uma lei estadual ou municipal rendesse espetáculos fora de seus respectivos estados e municípios, ou mesmo espetáculos em Brasília ou no exterior.

- Quanto ao controle acionário do patrocinador (no caso de empresas estatais).

O controlador é quem deve decidir sobre suas políticas. Nesse caso, Furnas Centrais Elétricas (cujo controle pertence à União), no epísódio “entrevista do Cacá Diegues ao jornal O Globo” não deveria ter retirado seus critérios de “contrapartida social” das normas para patrocínio constante de seu site na internet, uma vez que tais exigências foram legitimamente decididas por seus dirigentes-controladores.

Às empresas estatais deveria ser vedado utilizar-se de renúncia fiscal, pois suas iniciativas de marketing cultural (da modalidade “de meio”), teriam – como acontece com qualquer empresa privada – que contar, necessariamente, com verbas orçamentárias para patrocínio à cultura (se assim estabelecido pelos dirigentes-controladores da empresa).

O Imposto de Renda (e outros impostos) recolhidos por empresas controladas pelos governos deveriam ser revertidos integralmente aos Tesouros Nacional, Estadual ou Municipal, conforme o caso. Esses recursos é que permitem que se dote verbas não só para a cultura como também para todas as responsabilidades inerentes ao Estado.

O legislativo federal deveria dotar o MinC com uma verba à altura da importância da cultura para o país. Os legislativos estaduais e municipais idem. O Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, respectivamente, estabeleceriam tais dotações por ocasião da análise de suas respectivas leis de diretrizes orçamentárias (as LDO). O contingenciamento continuamente perpetrado pelo poder executivo nas diversas esferas deveria ter um limite máximo, que não permitisse descaracterizar políticas mais perenes para o fomento e a difusão da cultura.

Importante: a execução de orçamentos (federal, estadual ou municipal) deve ser acompanhada de perto pela comunidade de produtores artístico-culturais, incluindo aí os próprios artistas e os administradores de espaços culturais. Não se pode ficar satisfeito apenas com o anúncio de cifras. Se houve dotação mas não a correspondente execução, nada de fato aconteceu.

Alguns relatos publicados na imprensa sobre verbas para a cultura.

“Mais de 73% do orçamento da Funarte em 1998 não foi usado para a atividade-fim da instituição: promover e incentivar as artes e a cultura. A maior parte desse dinheiro foi destinada ao pagamento de encargos previdenciários da União (R$ 4.201.745,00) e à manutenção do órgão (R$ 11.298.632,00). Dos R$ 23.306.538,00 empenhados, só R$ 6.264.780,00 constam do item que previa verbas para o patrocínio de atividades culturais, segundo o acompanhamento da execução orçamentária feito pelo SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Tesouro Nacional). Mesmo nesse item, a Funarte realizou despesas sem relação imediata com atividades culturais. O documento do SIAFI aponta que a fundação usou dinheiro desse tópico na aquisição de uma mesa estilo ‘Le Corbisier’, para atender ao gabinete da Presidência, em dois empenhos de R$51.256,16, totalizando R$ 102.512,32”. [In Folha de S. Paulo, Ilustrada, 08/02/1999. Ana Lee. (ver em www.marketing-e-cultura.com.br)].

“Aderbal Freire-Filho lembra que, durante a reforma ministerial que sucedeu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, os partidos se engalfinhavam para ocupar o maior número de pastas. O único ministério que não despertava a gula dos políticos era justamente o da Cultura. ‘Além de verbas minúsculas, o Ministério da Cultura padece de desimportância política. É o próprio presidente da República que reconhece essa desimportância ao tratar o ministério como um enfeite, que tanto faz como tanto fez’, diz. O também diretor Amir Haddad concorda: ‘um ministério pouco respeitado pela cúpula do poder não consegue nada. Vamos ser sinceros: nunca houve planejamento ou política cultural no país. Há definição de táticas e políticas, mas só se discute política econômica. Política cultural no Brasil somos nós pedindo dinheiro para nossos projetos. E isso é muito pouco’, finaliza”. [In Jornal do Brasil, Caderno B, 07/02/1999. Christian Klein e outros (ver em www.marketing-e-cultura.com.br)].

“Quadro I - Despesas do Tesouro Nacional

Poder Legislativo: R$ 8,4 bilhões ou 0,24% do PIB
Poder Judiciário: R$ 23,5 bilhões ou 0,67 % do PIB
Poder Executivo: R$ 1.135,9 bilhões ou 32,50 % do PIB

onde:

Ministério da Cultura: R$ 0,7 bilhões ou 0,02% do PIB
(Fonte: Ministério da Fazenda - PIB triênio 1995/1998. PIB do período: R$ 3.194, 8 bilhões”).

A sociedade – que paga impostos para receber serviços, e entre eles, promoção e difusão cultural – nem sempre sabe de onde vêm os recursos. É atingida por uma mídia que promove marcas em letras garrafais (e selo diminuto do MinC), muitas vezes pagando ingressos caros para isso, sem saber que parte de seus impostos já está financiando inteiramente a iniciativa; a qual, portanto, deveria ser oferecida de graça.

“Muito mais importante que fazer estatísticas de público do tipo ‘a empresa X levou 80 mil crianças à exposição tal, no ano tal’, talvez fosse realmente educativo levar 10 mil crianças oito vezes a diferentes exposições no mesmo ano, ou, ainda, levar às exposições os professores das redes estadual e municipal de educação fundamental, pois eles são os verdadeiros multiplicadores da cultura”. (Paulo Sergio Duarte, ex-diretor do Centro de Artes Hélio Oiticica, em julho de 2000, palestrando na UERJ).

A penúria do IPHAN também remete à necessidade de incluir-se a cultura e seus roteiros nos programas de educação dos governos.

Pesquisas realizadas em Londrina, segunda maior cidade do estado do Paraná, mostraram que:

- numa amostra sócio-econômica representativa da população local, na qual pertencem à classe AB, 36% da população e à classe C, 64%.

- e, tendo a mesma, em termos de nível de escolaridade, 36%, o ensino fundamental, 36%, médio e 28%, superior;

50% sabiam da existência de uma legislação de renúncia parcial de ISS e IPTU para o apoio à cultura e os outros 50% declararam não saber; 73,4% não sabiam da existência de uma legislação federal a respeito e 26,5% sabiam (sendo que, nestes, 1,3% teriam já feito algum tipo de apoio, o que, aliás corrobora com o que se verifica a nível nacional: apenas 1% da renúncia fiscal federal para projetos culturais vem da pessoa física).

Apesar disso 95,7% dos entrevistados responderam SIM quando perguntados se achavam fundamental o apoio de empresas à realização dos festivais (anuais, de teatro e de música, da cidade).

O caso das práticas de algumas editoras é grave.

Editora é um negócio como outro qualquer. O empresário investe, sob risco, seu capital ou de terceiros, e tem que trabalhar com margens de lucro que permitam a sua sobrevivência (a da editora e de seus investidores), além do desenvolvimento do negócio.

O que tem havido ? Algumas editoras negam-se aos riscos e financiam sua atividade, encarecendo – sem razão aparente – em muito o livro. E isso sem mencionar os subsídios para a compra de papel e importação de insumos que ainda persistem. Vejamos.

O autor banca a produção. As exceções são, hoje, raras. Praticamente restritas a autores já best sellers. Seja pessoa física ou jurídica, há um aporte de verba para a cobertura dos custos de produção, tais como editoração, ilustração, impressão, acabamento e transporte (financiamento 1: risco zero e custo zero para a editora).

A editora obtém o registro do projeto de livro junto ao MinC. O mesmo é considerado de contribuição cultural podendo, pois, ser objeto de patrocínio dentro dos preceitos das leis de cultura em vigor (federal, estaduais, municipais – isso quando não são usadas todas juntas e superpostas !). Há uma sangria de verba via renúncia fiscal (financiamento 2: o Estado cede, os contribuintes pagam; custo zero e risco zero para a editora) e a população nem sempre vê o resultado de tal produção cultural, pois, via de regra, são edições limitadíssimas e destinadas a públicos dirigidos, dentro e mesmo fora das empresas patrocinadoras. Ressalve-se as exceções – projetos que concedem uma parcela da tiragem a bibliotecas públicas, como, aliás, é normalmente exigência das leis de incentivo.

O livro que teve sua produção inicial e reprodução já inteiramente bancados vai, finalmente, ao mercado (via livrarias) a preços invariavelmente altos (financiamento 3: risco zero e lucro integral, pois todos os custos típicos de uma editora foram quitados no percurso).

Que obras serão editadas em um país com essa permissividade ? Somente os carimbados pelos guichês oficiais da cultura e aprovados pelos gerentes de marketing das empresas.

Será que todos concordamos que um livro de luxo, impresso em Barcelona ou em Milão, contando a história de um time de futebol, de uma raça de cavalos ou de marca de carros deveria ter o benefício da renúncia fiscal ? Pois têm e no patamar máximo, ou seja, de 100% de renúncia do valor patrocinado. Ironicamente, é nesses casos que não há a tal da contrapartida do empreendedor.

O nó da distribuição.

É sabido que o verdadeiro gargalo da produção cultural – em todos os gêneros – é a distribuição. De livros a CDs, do curta ao longa metragem, não basta produzir. É preciso, principalmente, distribuir.

Por isso o incentivo fiscal deveria atender – sempre – à ponta do consumo. Se adquiro um livro ou um ingresso, ou um CD; eu, pessoa física, é que deveria poder abater tal gasto de meu imposto de renda a pagar. Se, analogamente, faço uma contribuição para uma biblioteca municipal ou para a obra de recuperação de um edíficio do patrimônio histórico de minha cidade; novamente, eu, contribuinte, é que deveria abater tal gasto de meu IPTU a pagar.

Necessidade de formação de mão-de-obra especializada na intermediação do processo de produção/distribuição de bens culturais.

Durante um breve período, pude fazer parte de uma comissão, junto à Delegacia Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, que estudava o trabalho artístico, quanto às suas especificidades.

Apesar de muita discussão, naquela ocasião não se chegou a um consenso sobre a relação trabalhista especial que cerca grupos de teatro, músicos, companhias de dança, orquestras que não têm por trás de si uma fundação etc. Quem é o patrão ? Quais as responsabilidades de quem contrata ? Vínculo empregatício, cooperativa ou contrato de trabalho por tempo determinado ? Como ficam os impostos ? E a aposentadoria ? E os acidentes de trabalho ? A responsabilidade civil ? E o seguro-desemprego ? A análise de tudo isso ainda precisa ser enfrentada.

Os debates havidos no âmbito do curso de extensão “Marketing Cultural: teoria e prática”, na UERJ, (realizadas sete edições do curso, desde a sua criação em 1994 até o ano 2000), foram enriquecedores no sentido de apontar a urgência de uma discussão séria e da necessidade de empenho dos legisladores quanto à profissionalização das atividades relativas à produção artístico-cultural no Brasil. Constantes problemas surgidos no âmbito da Justiça do Trabalho, junto ao ECAD (Escritório Central Arrecadador de Direitos Autorais), da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), da Ordem dos Músicos do Brasil e do Sindicato de Artistas e Técnicos em Diversões Públicas, além da atual polêmica sobre pirataria VERSUS propriedade intelectual, requerem a atenção da sociedade e de seus representantes.

A produção artístico-cultural requer perfis profissionais especializados.

De acordo com Shemel e Krasilovski, representantes pessoais (personal representatives) são essenciais para o artista e sua assessoria inclui:

1. A seleção de projetos em que o artista se envolve;
2. Todas as questões envolvendo divulgação, relações públicas e propaganda;
3. A adoção de um “formato” que melhor apresente o artista;
4. A seleção de locais e datas de forma a otimizar o trabalho e o retorno para o artista;
5. O estabelecimento dos tipos de vínculos que mais beneficiem a carreira do artista;
6. A seleção e a supervisão de pessoal que atue administrativa, financeira e legalmente para o artista.

Ainda de acordo com os mesmos autores, a presença de um personal manager não dispensa a existência de um agente e até de um business manager, se for o caso, encarregado exclusivamente da administração dos bens e das finanças geradas pelo artista.

Cursos voltados não só para marketing cultural, mas também para a formação de produtores, administradores de centros culturais e empresários artísticos, vêm aparecendo aqui e ali, no Brasil. Há um grande contingente de artistas necessitando de profissionais que trabalhem no seu entorno. Essa profissionalização é absolutamente necessária para consolidar a transição da fase amadora à do trabalho de produção artístico-cultural.

Coisa de primeiro mundo.

Em matéria de artes, o Brasil faz parte do primeiro time do mundo há muito tempo. A música, a dança, a gravura, a arte publicitária, a arquitetura e a televisão brasileiras são respeitadas e reconhecidas globalmente. Nossos ritmos e nossas cores encantam o mundo e é para a exportação que os produtores artísticos brasileiros deveriam passar a somar esforços.

A exposição “Brasil: body and soul”, recordista de público em Nova York, realizada pela Brasil Connects, é um exemplo que dispensa comentários.

A maior empresa produtora cultural do Brasil, a Dell’Arte, que consolidou-se trazendo ao país os mais importantes nomes do show business internacional, já vem fazendo o caminho inverso, ou seja, propondo ao mundo as atrações brasileiras, com êxito.

Achados de pesquisa.

Pesquisa realizada no âmbito do curso de extensão universitária “Marketing Cultural: teoria e prática”, realizadas de 1996 a 2000 na UERJ, em um total de 186 alunos concluintes, 70% (130 alunos) responderam a questionário que serviu de suporte a pesquisa sobre hábitos de “consumo” cultural VERSUS recall de patrocínio:

Média de filmes assistidos / ano (cinema): 7,2
Média de filmes brasileiros assistidos / ano (cinema): 1,2 (ou seja, para cada seis filmes assistidos em cinema, um foi produção nacional, o que já refletiu o “renascimento” da produção cinematográfica brasileira nesse período.)
Lembrança do patrocinador (centros culturais): 88,6 %
Lembrança do patrocinador (espetáculos de dança): 69,2 %
Lembrança do patrocinador (espetáculos musicais): 49,3 %
Lembrança do patrocinador (espetáculos de teatro): 43,9 %
Lembrança do patrocinador (exposições de artes plásticas): 33,9 %

É marcante o recall de marca observado no caso de centros culturais (cuja maioria esmagadora alia a nome do patrocinador à sua própria denominação). Isso revela uma tendência que deve continuar em uso. O campeão absoluto de lembrança é o Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Não por outra razão o Banco do Brasil vem inaugurando outros CCBBs, como o de Brasília e o de São Paulo.

A falta de políticas de cultura que vão além dos incentivos fiscais.

- No nível federal

De acordo com a pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro sob encomenda do Ministério da Cultura e que, publicada em 1998, é até hoje o mais sério levantamento sobre a Economia da Cultura realizado no país, temos que a produção cultural brasileira chega a 1% do PIB (o equivalente a 6,5 bilhões de reais no período da pesquisa).

Ora, se a atividade artístico-cultural move 1% da economia, seria razoável reivindicar-se para o setor 1% dos orçamentos federal, estaduais e municipais. Nessa linha de pensamento teríamos, no âmbito geral brasileiro, para um PIB de 1,4 trilhão de reais (2004), cerca de 14 bilhões para a cultura.

Ocorre que o orçamento federal para a cultura (dotação do MinC após o contingenciamento das verbas destinadas ao superavit primário) é de aproximadamente 300 milhões de reais, ou seja, cerca de 0,02% do PIB (ou seja: 50 vezes menos do que se poderia cobrar para o segmento), o que é eloqüente quanto à falta de importância que o Brasil oficial destina à cultura como setor de atividade econômica, seja pelo viés do emprego, da própria arrecadação de impostos, seja pelo seu lado mais visível, o da fruição e do enriquecimento cultural da população.

- No nível estadual

Seria válido, a exemplo do que realiza o CONFAZ (conselho de política fazendária ou reunião dos 27 secretários estaduais de fazenda), reunir os 27 secretários estaduais de cultura para estabelecer uma divisão mais eqüânime dos recursos federais, que elimine a atual concentração de 85% das verbas incentivadas de cultura entre Rio, São Paulo e Brasília.

- No nível municipal

Outra proposta contempla a reunião de trabalho dos secretários municipais de cultura dos municípios dentro de cada estado para reivindicar a aplicação dos recursos oriundos da renúncia fiscal do ICMS (leis estaduais de cultura), instrumento de grande potencial para a obtenção de recursos.

Captação de recursos.

Tema recorrente no meio da produção cultural, a captação de recursos engatinha e patina ainda confundida com acessos da síndrome do “Quem Indica”. Enquanto não se profissionalizar o segmento de captação de recursos, continuaremos a assistir as verbas incentivadas escoando de quem realmente precisa de apoio para a jeitosa sobrinha do diretor de marketing ou para o cunhado talentoso do conselheiro que deixou a engenharia para dedicar-se a uns projetos “cabeça”. O retorno de um credenciamento não só do projeto mas também do proponente (como à época da Lei Sarney) poderia minimizar os casos de apadrinhamento privado com dinheiro público.

Há que se registrar a criação da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, a qual preconiza uma atuação ética (estabelecida no código divulgado em seu site na internet: www.abcr.com.br), baseada em remuneração previamente estabelecida entre as partes e o não comissionamento.

Falta a pessoa física.

Majoritário em economias mais desenvolvidas, o patrocínio de pessoas físicas a iniciativas artístico-culturais é rara entre os brasileiros. De acordo o Ministério da Cultura, a renúncia fiscal (do Imposto de Renda) via pessoa física representa menos de 1% dos patrocínios.

Onde estão as nossas grandes fortunas ? Onde estão os nossos mecenas ? Certamente fazendo “caridade” e cuidando da sua “responsabilidade social” com dinheiro alheio – o das leis de incentivo.

Pululam fundações privadas para carrear os impostos devidos de grandes conglomerados enquanto o Ministério da Cultura tem quase 50 % da sua dotação orçamentária contingenciada pelo arrocho monetário. Tristes constatações.

É preciso coragem, disposição e persistência para bater às portas certas e obter melhor legislação, melhor regulamentação, melhor auditoria e melhor resultado da aplicação do dinheiro público. Oxalá acorde o povo brasileiro e deixe de se contentar – como vem fazendo há 35 anos – com o que lhe chega via Jornal Nacional.



Manoel Marcondes Machado Neto

Autor do livro “Marketing Cultural: das práticas à teoria”, editado pela Ciência Moderna. Atuou em produção cultural entre 1983 e 1993. Dedicou-se ao doutorado em Ciências da Comunicação na ECA/USP de 1996 a 2000, com o apoio da UERJ (PROCAD) e da CAPES (PICDT).
É professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ.

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