Teoria
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Relações públicas na difusão da produção cultural

 (2008, primeiro semestre)


Manoel Marcondes Machado Neto


“A política cultural da contemporaneidade é aquela
que contempla o desejo e não se esconde atrás do
discurso demagógico e facilitador da necessidade”.

Teixeira Coelho, 1997.

Resumo

O que, no Brasil, nos últimos vinte anos, convencionou-se chamar de “marketing cultural” é, quando se trata do patrocínio de empresas à arte e à cultura, uma atividade característica de relações públicas. Tratar da difusão cultural, sobretudo no que diz respeito às relações públicas comunitárias, é uma obrigação profissional e de cidadania da área. O processo cultural, no século XXI, é eminentemente dialógico e não imposto de cima para baixo pelas organizações estatais e privadas de promoção e proteção da cultura. Respondendo a cinco questões relativas aos direitos culturais do cidadão, este texto discute a Política Nacional de Cultura aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2005.

Texto Integral

Com a aprovação da Lei 7.505/1986 (Lei Sarney), de incentivos fiscais à cultura, houve um incremento muito expressivo da atividade de patrocínio às artes por parte de empresas privadas e públicas. Naquele momento, o mercado, através da imprensa e de alguns artigos acadêmicos produzidos na Universidade de São Paulo, cunhou a expressão “marketing cultural”, que ganhou sentido apenas no Brasil e foi conceituado pioneiramente em nossa tese de doutorado.

Na tese, além de propor um conceito para marketing cultural (atividade de viabilização físico-financeira de produtos e serviços que, comercializados ou franqueados, venham a atender às demandas de fruição e enriquecimento cultural da sociedade), classificamos as diversas práticas a que o mercado atribui esse rótulo em diferentes modalidades, dependendo do fato/locus gerador das iniciativas: marketing cultural de meio, a modalidade “de patrocínio” a que nos referimos neste texto; marketing cultural de fim, quando se trata do processo de marketing praticado pelas organizações cuja atividade-fim é a promoção ou a difusão cultural; marketing cultural misto, quando o marketing cultural é objeto de parceria entre instituições culturais e empresas patrocinadoras (co-patrocínio); e, finalmente, marketing cultural de agente, quando um empreendedor, com risco, viabiliza a iniciativa, da concepção à sua distribuição (numa genuína acepção do conceito de “marketing”).

Se o que, ao longo dos últimos vinte e dois anos, no Brasil, convencionou-se chamar de “marketing cultural” é o patrocínio dado à arte e à cultura pelas empresas, que o fazem com objetivos de promoção institucional, trata-se, pois, de uma atividade de relações públicas comunitárias, a ser assumida com responsabilidade e com espírito de cidadania. Por isso, os profissionais devem aprofundar os seus conhecimentos acerca das práticas do marketing cultural.

Além disso, o processo cultural no século XXI é eminentemente dialógico. Não mais se aceita uma política cultural imposta de cima para baixo por organizações estatais ou privadas de promoção e difusão da cultura. É indiscutível que hoje vivemos em um ambiente multicultural, em âmbito planetário. A diversidade cultural é um imperativo que demanda reconhecimento por todas as nações. Assim, muito mais do que cada uma destas “engessar” ou amalgamar sua “própria” cultura para uso interno ou para exportação, coloca-se diante de executivos formuladores de políticas e legisladores, o desafio de preencher um “espaço vazio”, átrio verdadeiramente democrático, no qual possam ter lugar as múltiplas manifestações interculturais das sociedades contemporâneas.

Cultura: direito universal

Lê-se no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela resolução 217-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948:

- Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito;

- Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;

- Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; e

- Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

a Assembléia Geral da ONU proclama:

Art. 1 – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Art. 2 – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Art. 3 – Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. (...)

Art. 15 – Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

Art. 18 – Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião.

Art. 19 – Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Art. 24 – Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Art. 26 – Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

Art. 27 – Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

No Brasil, um esforço até então inédito

O Congresso Nacional aprovou, em dezembro de 2005, pela primeira vez no País, uma Política Nacional de Cultura (Lei 5.520/2005). A partir de uma proposta de emenda constitucional que tramitou por cinco anos, o Ministério da Cultura organizou conferências municipais, regionais e nacionais, com a presença de cerca de mil delegados, com a finalidade de dar substância ao parágrafo terceiro do artigo 215 da da Constituição Federal de 1988, na seção que trata da matéria, estabelecendo a cultura como uma prioridade nacional e uma das missões estratégicas de Estado, como se vê na seqüência.

Título VIII
Da ordem social
(...)
Capítulo III
Da educação, da cultura e do desporto
(...)
Seção II
Da cultura

Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1 – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2 – A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

§ 3 – A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do país e à integração das ações do Poder Público:

I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II - produção, promoção e difusão de bens culturais;
III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;
IV - democratização do acesso aos bens de cultura;
V - valorização da diversidade étnica regional.

Com isso, passou a ser uma obrigação do poder público, no nível federal, a implementação de uma Política Nacional de Cultura baseada em um Sistema Nacional de Cultura, a exemplo do que já acontece com as áreas da Saúde (SUS ) e da Educação.

O Sistema Nacional de Cultura começou a ser construído em 2005, a partir de conferências municipais, regionais e estaduais e de uma conferência nacional, estabelecendo-se uma política plurianual que exige que a cultura seja contemplada, no orçamento da União, com uma dotação à altura de sua importância.

Já objeto de definição, o sistema deve basear-se numa rede formada por pontos de cultura, a serem implantados em todos os municípios do território nacional. Uma segunda frente de esforços começa a ser encaminhada no sentido de vincular os orçamentos públicos com verbas de, no mínimo, 1%, 1,5% e 2% para a cultura, nos orçamentos da União, dos estados e de municípios, respectivamente.

A Política Nacional de Cultura tem cinco objetivos:

- Promoção do desenvolvimento cultural do País;
- Integração das ações do poder público que conduzam à defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
- Produção, promoção e difusão de bens culturais;
- Formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;
- Democratização do acesso aos bens de cultura e à valorização da diversidade étnica e regional;

Sua implementação sustenta-se em cinco eixos principais:

- Gestão pública da cultura;
- Cultura é direito e cidadania;
- Economia da cultura;
- Patrimônio cultural;
- Comunicação é cultura.

Baseada em um Sistema Nacional de Cultura inspirado no modelo do SUS e fundamentada na criação de “pontos de cultura” em todos os municípios brasileiros, a Política Nacional de Cultura será implementada por iniciativas e orçamentos integrados plurianuais das três esferas de poder, federal, estadual e municipal, sob a gestão de conselhos.

De que forma as políticas públicas de cultura podem
contribuir para ampliar e consolidar os direitos do cidadão?


Através de uma Política Cultural de Estado, baseada na compreensão do papel estratégico da cultura como um dos pilares da participação do País no cenário econômico globalizado, valorizada por aporte financeiro adequado do Tesouro, estabelecida de forma democrática e sob controle social.

Para tanto, além da recém-aprovada legislação acima focalizada, cabe ao Estado fazer cumprir outros dispositivos constitucionais diretamente relacionados à questão, como se vê na Constituição de 1988:

Título II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
(...)
Capítulo II
Dos direitos sociais

Art. 23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência.

Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino e desporto.

Capítulo V - Da Comunicação Social

(...)

Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1 - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no

Art. 5, parágrafos IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2 - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

§ 3 - Compete à lei federal:

I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no Art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde a ao meio ambiente.

§ 4 - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

§ 5 - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

§ 6 - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
(...)

Art. 221 – A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
V - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

(...)

Art. 223 – Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

§ 5 - O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e quinze para as de televisão.

Art. 224 – Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.

No presente momento, quais são os direitos culturais
mínimos a que todo cidadão deve ter acesso?


Diz Dinah Guimaraens , antropóloga e professora de História da Arte, que somente no século vinte os movimentos de descolonização cultural e de liberação política tornaram possível, para os povos do Terceiro Mundo, reconhecerem e valorizarem suas próprias culturas. Nesse sentido, identidade cultural significa a necessidade de ser capaz de reconhecer a si próprio ou de construção de sua própria realidade autônoma e única, baseada em uma tradição cultural herdada de seus antepassados. Já cidadania significa o direito individual à liberdade de expressão e também o direito da coletividade de partilhar de distintas opiniões e posturas culturais.

De acordo com a metodologia triangular sugerida por Ana Mae Barbosa (2002), pesquisadora da Universidade de São Paulo que centra seu foco de estudo em arte-educação, “o ensino da arte inter-relaciona o fazer artístico (produção), a apreciação da obra de arte (leitura) e a história da arte (crítica), com o objetivo de formar o conhecedor, fruidor e decodificador da obra-de-arte como objeto de conhecimento”.

Ainda segundo Dinah Guimaraens, o conhecimento da arte se dá na interseção da experimentação, decodificação e informação. Devido à existência de um real apartheid cultural no Brasil, a visualidade das camadas populares, dos indígenas e dos afrodescendentes não é devidamente enfatizada nas escolas nem nas universidades, já que ocorre uma rejeição, pelas camadas dominantes da sociedade nas quais se inclui a maioria dos professores, de códigos da cultura popular identificados com o candomblé, a cultura indígena, os rituais e as danças como o bumba-meu-boi e o carnaval, todos estes constituindo importantes elementos de identificação étnico-cultural brasileiros.

Para Teixeira Coelho (1986), promover a cultura não é, apenas, financiar o artista, o produtor individual, como (mal) vem fazendo o Estado no Brasil, há décadas: é, antes, criar as condições para que o maior número possível de pessoas tenha acesso ao sistema de produção cultural, se não como produtores, pelo menos como consumidores efetivos.

É necessário ampliar o acesso do cidadão à política pública e aos benefícios da lei e também dos incentivos como produtor e não só como fruidor, pois o uso do incentivo fiscal pela pessoa física ainda é tabu.

Outra questão: o incentivo deveria ser aplicado na ponta do “consumo” da produção artístico-cultural. Exemplos:

1) no cartão único dos programas sociais, a inclusão de “ingressos” virtuais para sessões de cinema por cada titular e dependente, tornando, também, parte do incentivo do patrocinador a prova de ter proporcionado acesso a novas audiências;

2) cooperativas deveriam abranger o somatório de pessoas físicas reunidas nas “associações de amigos” e valer-se dos incentivos pertinentes;

3) projetos incentivados deveriam ser obrigados a sempre oferecer récitas públicas gratuitas.
Néstor García Canclini (1997) inaugurou um profícuo “debate” entre as visões de mundo que as organizações (públicas, privadas e do terceiro setor) propagam: consumidores versus cidadãos. Muito já foi construído a partir dessa dicotomia, mas tais denominações continuam a aparecer confundidas na mídia e talvez se pudesse dizer que a grande maioria da população não distingue os dois conceitos, entendendo-os, até, como sinônimos – o que, em nossa opinião, é fato ainda mais grave que o desconhecimento da diferença.O ponto de vista cultural ganha importância crucial nessa questão: a cultura, como substrato fundamental da própria concepção do homem perante si mesmo, os demais e as instituições da sociedade, é esfera responsável pela percepção e pelo exercício da cidadania e, conseqüentemente, de tudo aquilo que dela advém, tanto em termos de direitos como de deveres.

Como a cultura deve contribuir na articulação
de soberania nacional e globalização?


O mesmo Canclini, em obra posterior (2002), reforça a discussão da problemática cultura popular versus capitalismo. Ele cita Renato Ortiz e sua expressão “cultura internacional-popular” para bem designar o centro da sua hipótese inicial:

Algo chave das relações entre modernidade, capitalismo e cultura pode captar-se ao explorar o desbaratamento do artesanato (a arte popular de confecção de objetos) em face da indústria audiovisual e das festas tradicionais locais em face dos espetáculos midiáticos e seu circuito transnacional.

As tevês por assinatura são o mais profícuo exemplo deste fenômeno. Pergunta o autor se, então, se poderia continuar falando em culturas populares. E aduz uma definição de cultura: a produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica de estruturas materiais, para compreender, reproduzir ou transformar o sistema social – todas as práticas e instituições dedicadas à administração, renovação e reestruturação do sentido.

Ainda segundo Canclini, nos últimos vinte anos, as sociedades atuais, sujeitas ao desenvolvimento tecnológico e à globalização e que mudaram as relações entre capital, trabalho e processos simbólicos, a produção cultural se tornou mais importante do que nunca para a reprodução e expansão do capitalismo. No entanto, artesãos e a tradicional herança popular não são beneficiários desse movimento, mas o são, sim, outras formas de cultura popular, mais suscetíveis ao processo de industrialização em formas audiovisuais - sobretudo a produção musical - que ganham um protagonismo econômico.

A chamada economia da cultura

No Brasil, a economia da cultura foi dissecada pela primeira vez em uma pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro para o Ministério da Cultura, em 1998, na qual a cultura aparece com uma participação de 0,8% no Produto Interno Bruto.

No Estado do Rio de Janeiro, dados da Subsecretaria de Cultura apontam uma participação que vai de 4 a 6% do PIB, mas isto varia muito de acordo com os parâmetros utilizados. Porém, ainda faltam critérios amplamente aceitos para medição. Nosso enfoque da economia da cultura considera o marketing cultural, entendido como o processo que se dá no âmbito do mercado – o qual pode ser regido por uma visão mais mercantil que fiduciária ou então privilegiar mais a ação cultural e menos a especulação sobre seus resultados, mais o aspecto humano que o viés econômico, mais o lucro social que o financeiro.

Como articular as políticas públicas de cultura
com as demais políticas públicas?


As ações culturais podem ser vinculadas com:

- A política de educação – um caminho direto;

- A política para a infância e a adolescência;

- As políticas inclusivas (como as das secretarias especiais da Mulher e da População Negra);

- A política de desenvolvimento econômico (via BNDES, por exemplo);

- A política de desenvolvimento urbano;

- A política de direitos humanos;

Neste ponto é oportuno citar Marco Túlio de Barros e Castro , advogado especializado em direito autoral e propriedade intelectual, que vê no direito à liberdade de expressão o fulcro de quaisquer “direitos culturais” (a que alude o art. 215 da Constituição Federal, somando-se ao mandamento constitucional do “acesso” aos bens culturais).

Isabel Azevedo , superintendente de Extensão da UFRJ e especialista em gestão de projetos e programas culturais acrescenta: a cultura é “instituinte da sociedade e da cidadania”; e é preciso evitar as “bilheterias invisíveis” e garantir a contrapartida social.

Qual o papel da cultura na definição do
perfil do desenvolvimento sustentável
dos municípios, dos estados e da União?


Política cultural se faz com recursos humanos e financeiros. As dotações para a cultura têm que atingir patamares mínimos recomendáveis, sob pena de se incorrer em total inação. O patamar mínimo recomendado pela Unesco é de 1% dos orçamentos nacionais.

Ora, se a cultura representa 0,8% do PIB brasileiro , em 2005, para um PIB de R$ 1,6 trilhão, isso deveria traduzir-se na inversão de R$ 12,8 bilhões na cultura. Isto se encontra a anos-luz da realidade, pois no ano passado foram destinados à cultura apenas cerca de R$ 600 milhões via leis de incentivo mais R$ 480 milhões – não descontados os 50% do contingenciamento – via orçamento do Ministério da Cultura.

Somente uma ação política articulada de órgãos executivos estaduais e municipais, de ONGs e da cidadania e que deságüe no poder legislativo (municipal, estadual e federal) pode mudar o atual estado de coisas. A via do patrocínio privado é uma opção, mas não é a mais importante em termos de resultado global (nem podemos chamá-la de política cultural, pois cada ação persegue as metas de cada ator), embora utilize recursos públicos oriundos da renúncia fiscal. Não deve ser, todavia, estancada.

A aprovação de leis orgânicas e talvez até de emendas parlamentares pontuais é que poderia levar efetivamente ao aumento das inversões de recursos públicos para a cultura.

O desconhecimento das leis de incentivo
por parte dos contribuintes


Para fundamentar nossa tese de doutoramento, realizamos pesquisas em Londrina, segunda maior cidade do Paraná, envolvendo uma amostra socioeconômica representativa da população local: 36% da classe AB e 64% da classe C, sendo que, do total, 36% tinham cursado o ensino fundamental, 36%, o ensino médio e 28%, o ensino superior.

Os resultados mostram que 50% sabiam da existência de uma legislação estadual e municipal de renúncia parcial de ISS e IPTU para o apoio à cultura e os outros 50%, não.

Quanto à legislação federal acerca do assunto, 73,4% a desconheciam e 26,5% sabiam dela, sendo que, dentre estes, 1,3% já tinham feito algum tipo de apoio – o que, aliás, corrobora o que se verifica em nível nacional: apenas cerca de 1% da renúncia fiscal federal destinada a projetos culturais vem de pessoas físicas.

Apesar disso, 95,7% dos entrevistados responderam “sim” quando perguntados sobre se achavam fundamental o apoio de empresas à realização dos festivais de teatro e de música realizados anualmente na cidade.

Considerações finais

No capitalismo dito “tardio”, a produção de bens culturais tornou-se muito importante para a economia e hoje são muito tênues as fronteiras entre aspectos econômicos e culturais, fazendo-se necessário refletir sobre o conjunto de forças que operam o sistema cultural e nele interagem.

No caso brasileiro, debita-se aos políticos a penúria em que sempre tem sido deixada a área cultural. Parlamentares gostam de repetir a ladainha de que “o segmento precisa organizar-se para reivindicar”. Mas não seria razoável dizer que a Previdência Social recebeu 44,60% do orçamento de 2004 e a Saúde, 12,50 – enquanto a cultura ficou com apenas 0,16% – só porque aposentados e pensionistas ou mesmo adoentados tenham se organizado para reivindicar. A previdência e a saúde, assim como a educação – e como deveria ser também com a cultura –, simplesmente são obrigações do Estado e sua manutenção e incremento devem ser objeto de legítima luta em Brasília.

O governo federal deveria dotar o Ministério da Cultura com uma verba à altura da importância da cultura para o País. A alternativa seria o Congresso Nacional ratificar tal dotação quando da análise da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

No que se refere à comunidade dos artistas e produtores culturais, a execução de qualquer orçamento (federal, estadual ou municipal) deveria ser acompanhada atentamente, não bastando apenas a divulgação de cifras. Orçamentos prometidos mas não liberados denotam exatamente isso: que muitas vezes não se sai do campo das meras promessas.

Sem a pressão da comunidade diretamente interessada (veja-se o lobby do cinema, que, se não é um bom exemplo, é pelo menos um exemplo), a plena dotação de recursos para apoio à produção e ao acesso à cultura não virá e nossa “política cultural” continuará cingindo-se, apenas, ao artifício da renúncia fiscal.

Referências

ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1986. 254 p.

BARBOSA, Ana Mae T. B. Imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 2002.

COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997. 383 p.

______. Usos da cultura: políticas de ação cultural. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1986. 124 p.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. 290 p.

______. Culturas populares en el capitalismo. México: Grijalbo. 2002. 237 p.

HERSCOVICI, Alain. Economia da cultura e da comunicação. Vitória(ES): UFES, 1995. 323 p.

LISBOA, Simone M. Razão e paixão dos mercados. Belo Horizonte: Editora C/Arte. 1999. 142 p.

MACHADO NETO, M. M. Marketing cultural: das práticas à teoria. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2005, 2a. edição. 340 p.

MUYLAERT, Roberto. Marketing cultural & comunicação dirigida. São Paulo: Editora Globo, 1993. 288 p.

VAZ, Gil Nuno. Marketing institucional. São Paulo: Pioneira, 1995. 360 p.
Fontes eletrônicas

Website do Ministério da Cultura

Website do Ministério da Justiça



Manoel Marcondes Machado Neto
Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP); professor adjunto da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); coordenador dos cursos Marketing Cultural: Teoria e Prática (atualização em 75 horas) e Gestão e Marketing na Cultura (aperfeiçoamento em 180 horas) no Centro de Produção da UERJ (Cepuerj); líder da Coordenação de Pesquisa e Documentação em Comunicação e Mercadologia Prof. Manoel Maria de Vasconcellos; autor do livro Marketing Cultural: das práticas à teoria (Editora Ciência Moderna, 2005, 2ª. edição) e editor dos websites www.marketing-e-cultura.com.br e www.cpdcom.inf.br, na internet. Endereço eletrônico: marcondesneto@yahoo.com.

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